segunda-feira, setembro 22, 2003

Descer à arena


O editorial da última Le Nouvel Observateur (18-24Set2003, p.21) faz eco das palavras de Zeev Sternhell no Haaretz, em artigo intitulado "Israël: Descendons dans l'arène!". Trata-se de um apelo à mobilização da sociedade civil israelita para combater a política de Ariel Sharon.
"É chegada a hora de nos juntarmos no coração de Telavive, como após o assassínio de Itzhak Rabin."
Zeev Sterhell é professor de ciências políticas na Universidade Hebraica de Jerusalém. É judeu. O seu apelo dirige-se, em especial, a forças políticas como o Meretz (trabalhista) ou o Shinoui (laico); aos que se deixaram "adormecer" pelo embalo do partido do poder ou que encolheram os ombros e decidiram olhar para o lado. Mas estarão mesmo "a dormir" e "indiferentes"?

A democracia israelita, já o afirmei aqui, é uma piada de mau gosto. Só assim se compreende que o seu parlamento, o Knesset, considere a hipótese de aprovar leis segregacionistas - considere, sequer, quanto mais votar! - que reflectem o nojo ariano da miscigenação com os judeus, traduzido agora para o nojo sionista da miscigenação com palestinianos. Só assim se compreende que o tema que hoje empolga os media israelitas seja a expulsão ou eliminação de um governante estrangeiro escolhido pelo seu povo.

"Não morrer de amores" por Yasser Arafat será pouco para exprimir o que sinto em relação ao leader palestiniano. Digamos que o seu passado, as suas ligações ao terror de hoje, a sua espinha inexistente, o seu oportunismo e a sua ganância, são motivos mais do que suficientes para o colocar no meu "panteão dos repugnantes". Considero um insulto à humanidade que semelhante réptil tenha recebido um dia o Nobel da paz.
Mas é ele a escolha do seu povo.
Tal como Berlusconi é a escolha dos italianos.
E Ariel Sharon a dos israelitas.

Ariel Sharon é outro exemplo flagrante de como pode ser miserável a democracia, mas insurgir-me-ia de igual modo contra qualquer tentativa de o remover ou exilar por meios violentos, principalmente contra uma exterior à sociedade israelita. Quando me refiro à democracia israelita como uma piada, poderia dizer o mesmo da palestiniana, por motivos diversos, sendo a autocracia assumida o mais evidente, mas não chego ao ponto de as desacreditar na totalidade; isto é, ainda é o povo que escolhe os seus representantes, requisito mínimo para que qualquer sistema, por muito caricatural que seja, se possa chamar de democracia. Se é Arafat que o povo escolheu, também Sharon foi escolhido por Israel.

Quem sabe o que pretende Ariel Sharon ao permitir que se torne público que considera as hipóteses de emparedar, expulsar ou eliminar Yasser Arafat? De todas as conjecturas feitas, a que mais acertada me parece é a que aponta o facto como a "provocação perfeita", no sentido de conseguir a "desculpa perfeita" para esmagar o projecto de Estado palestiniano.
E quando morrerem israelitas suficientes, quando Telavive conseguir o número certo de "vítimas de guerra", mortas em cafés e em autocarros, o mundo terá de compreender que Israel "não tinha outra alternativa", quando assistir, impávido, ao avanço final dos blindados Merkava e dos helicanhões Apache das Forças de "Defesa" Israelitas sobre Gaza e a Cisjordânia.

Sexta-feira passada, Esther Mucznik avisava: o Hamas "(...) só descansará quando vir o último judeu a ser atirado para o mar"..
(Público, 19Set2003, "A ferida da Palestina")

E agora pergunto-lhe eu, cara Esther:
E quando encontrará descanso o Likud?

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