domingo, setembro 21, 2003

Quem tem medo da democracia?


No Público de ontem (20Set2003, p.5, "Saudades de esquerda"), Helena Matos reflecte sobre as palavras escolhidas por Manuel Alegre, no mesmo jornal, ao afirmar que "vivemos num clima mais perverso do que aquele que vivemos na ditadura".

A "colunista" (que denominação magnífica!) desdobra-se em considerações mais ou menos ordinárias sobre a "verdadeira" perversão das "familiaridades" dos tempos da "outra senhora". Helena Matos não confunde o dito de Manuel Alegre, mas confunde-nos a nós (pelo menos grande parte de nós) ao afirmar-se confundida.

A frase de Manuel Alegre é cristalina. Demonstra que o senhor não se dá bem com a democracia que temos; que não era isto que esperava, pois nela se esbatem o negro e o branco e o que parece não é, o mais das vezes.
Mas, em democracia, é mesmo assim, não sabiam?
A democracia, em qualquer um dos seus estados, não é um sistema a branco e negro. É esse o seu esplendor e a sua miséria. A não ser assim, seria tudo menos democracia.

O artigo de Helena Matos, a quem não posso crer tenha escapado esse facto, é um bom exemplo do ponto focado por Manuel Alegre. Em certo sentido, é mesmo complementar. A perversão sempre existirá, qualquer que seja o sistema político. É mesmo uma das pedras basilares da política, como da magia. A única diferença entre a perversão totalitária e a democrática é que a primeira é básica e a segunda, como bem afirmou Manuel Alegre, é bem mais refinada. O objectivo da perversão política, em ditadura, é transformar o negro em branco, o que se torna evidente (mesmo ridículo) até para os espíritos mais pobres, como bem salienta Helena Matos. Em democracia, porém, a perversidade consta de transformar gradações de cinza em outras gradações de cinza. Como faz a ilustre "colunista", de resto, ilustrando de forma excelente o ponto de vista de Manuel Alegre.

Se ao menos isto fosse aparente a mais do que 1% dos portugueses...
Que país não seria Portugal!

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